É possível viver de escrever em 2025? Ainda será em 2026?
Na era da inteligência artificial, o primeiro setor atingido parece ter sido o da escrita para a internet. O que o futuro reserva?
Como ganhar dinheiro com um blog de viagem? Esse foi o tema de um artigo que publiquei em 2015, lá no 360meridianos. O texto dava um passo a passo detalhado sobre como eu e minha sócias tínhamos transformado um hobbie e uma viagem numa empresa rentável.
Viral no finado Facebook, o artigo alavancou ainda mais o crescimento do 360: se tornou palestra na WTM, maior feira de turismo do continente, rendeu capas de jornais e revistas e a participação num painel promovido pela Editora Abril, em São Paulo.
Assim como várias pessoas da comunicação, eu não tenho um empregador. Desde a criação do 360, vivo da produção de conteúdo para internet. Se você planejou uma viagem nos últimos 14 anos, tenho certeza que leu algo que eu ou minha sócias escrevemos, mesmo que não se lembre disso.
O modelo de monetização do 360meridianos e de inúmeros blogs e sites do Brasil era o mesmo. Alguém se prepara para cruzar fronteiras. Na hora de montar o roteiro, as dúvidas eram jogadas no Google: o que visitar na França? Quais as cidades mais legais da Alemanha? Onde ficar em Paris? Com um trabalho complexo e bem feito de redação, SEO, RP e busca por backlinks, o 360 aparecia nas primeiras posições do Google, o que gerava uma audiência considerável. Assim, fomos por anos um dos maiores sites de viagem do Brasil.
Ao longo do texto, o leitor encontrava links para serviços diversos. Hotéis e seguros de viagem. Passagens aéreas, emissão de vistos e compra de passeios turísticos. No final de cada artigo, o aviso: ao reservar sua viagem por meio desses links, nós recebemos uma comissão, mas você não paga nada a mais por isso.
Essa foi nossa estratégia de monetização, nosso modelo de negócio. Note que não era publicidade direta, mas marketing de afiliados — de certa forma nós éramos bancados pelas pessoas que nos liam e faziam questão de reservar serviços por ali. Não ficamos ricos, mas a estratégia funcionou como negócio e único sustento dos três sócios, além de uma pequena equipe de colaboradores, por anos.
Em meio ao trabalho didático de ajuda ao turista, ainda conseguimos tempo para a literatura. O 360meridianos publicou um livro de crônicas autorais, o Encontros, e editou 18 livros raros de literatura de viagem. Obras de Machado de Assis, Mário de Andrade, Nísia Floresta, João do Rio e Júlia Lopes de Almeida passaram pelo 360. Textos literários de grandes escritoras e escritores que estavam esquecidos há décadas voltaram a estar disponíveis por causa de um blog de viagem.
Não que a literatura tenha dado dinheiro, mas trouxe prazer, reputação e orgulho. Fatores importantes enquanto o SEO e a escrita de guias de viagem garantiam o sustento. Assim passamos pela pandemia e tivemos em 2023 nosso melhor ano. Até que o Google começou a mudar os resultados que aparecem nas buscas, privilegiando grandes corporações e escondendo a internet independente. Quando a IA chegou, os blogs já estavam quase mortos.
O 360 nunca deu muita bola para redes sociais, em especial aquelas que cresceram no modo selfie e no estilo reality show. É por isso que um site enorme, com centenas de milhares de leitores, ignorava o Instagram.
Hoje, falando como um profissional de comunicação que também trabalha com vídeos no Instagram, tenho tranquilidade de afirmar: a quantidade de dinheiro que circula entre os influencers (no Instagram e no Tik-Tok) é muito menor que a que circulava entre os blogs que trabalhavam com texto e marketing de afiliados. Estou comparando, óbvio, audiências semelhantes e o mesmo nicho.
Uma pessoa que vê um vídeo de uma atração turística em Nova York salva para quando estiver lá. Quem achava um texto sobre essa mesma atração turística no Google já estava em NYC, ou então nem faria a busca. Era um consumidor pronto para fazer a reserva e já com o cartão de crédito na mão. Isso fazia toda diferença.
Dito isso, vamos ao que interessa.
Os blogs estão mortos?
Eu escrevi este texto no passado, mas o 360meridianos vive. Você pode planejar sua viagem lá. Ainda pode reservar hotéis, seguros e passagens por nossos links. Nós ainda trabalhamos diariamente no blog, atualizamos textos, trazemos novos destinos e ganhamos salários com o 360. Acabamos de estrear um novo layout, inclusive, num esforço que tomou tempo e dinheiro.
Então por que falei no passado? Porque a audiência caiu. Muito — e o dinheiro também. Esses dias, entrei num texto antigo do 360, uma blogagem coletiva (quem lembra disso?) sobre cidades para curtir o verão europeu. No final do artigo havia uma lista com os cerca de 20 blogs que tinham participado daquela ação. Cliquei nos links já esperando encontrar sites desativados, mas achei casas de apostas. Descontinuados, muitos blogs tiveram seus domínios comprados pela BET da vez.
Eu não acho que o 360meridianos esteja morrendo, veja bem. Um CNPJ com mais de 10 anos já é coisa rara, imagina então um CNPJ de jornalismo de viagem que sobreviveu ao covid e ao fechamento do mundo? O 360 vai sobreviver porque a gente sabe se reinventar. Mas também estou certo de que aquela internet dos blogs, em que um site de uma única pessoa concorria de igual para igual com grandes corporações de mídia, morreu. E não voltará mais.
A inteligência artificial já mudou tudo e até minha avó, que nesta semana faz 89 anos, usa a IA para tirar dúvidas — então é lógico que as pessoas usarão a tecnologia para planejar suas viagens, montar roteiros e reservar passeios. Quando eu era criança, meu avô me contou a lenda do menino holandês que impede o rompimento de uma barragem ao colocar o dedo na rachadura por onde descia um fio d’água, que aumentava. Não acredito que o caminho inteligente seja tentar impedir a revolução que já está em curso. O melhor é buscar um barco e não se afogar.
Em 2016, entrevistei um profissional de TI para uma reportagem sobre inovação e tecnologia. Ele disse que quando a IA chegasse, muita gente perderia empregos, num fenômeno parecido com o que vivemos em outras etapas da revolução industrial. O entrevistado até apontou quais seriam os primeiros setores atingidos: motoristas de aplicativo e entregadores, que seriam substituídos por carros autônomos e drones que levam comida.
Chegou a IA e, veja a ironia, o primeiro setor a balançar parece ser o criativo, ocupado por quem escreve e alimenta a internet. Em breve, muitas dessas pessoas podem virar motoristas de aplicativo — confesso que essa opção já até passou pela minha cabeça. Sempre fomos os ubers da internet, no fim das contas.
O futuro parece ter começado pela comunicação, pela escrita e mídia e até sites gigantescos tiveram quedas de audiência. Nem os grandes veículos de comunicação escaparam da IA e todos os caminhos levam ao passaralho, aquela revoada repentina de centenas de empregados em busca de recolocação. E que não por acaso rima com caralho.
Qual o caminho?
Para seguir em frente, será necessário mudar. Algumas coisas nós já fizemos: o 360 agora produz conteúdo para Instagram de forma planejada e já teve vídeos com um milhão de views; nossa newsletter aqui no Substack tem 17 mil assinantes e ótima taxa de abertura.
Outros projetos, esses pessoais, surgiram nos últimos cinco anos e hoje eu não vivo mais exclusivamente de um blog de viagem — e nem quero isso. Eu já nem viajo tanto, para ser sincero. Gosto mais de estar em casa do que na estrada.
Em 2020, comecei a escrever meu primeiro romance. Dos que vão morrer, aos mortos foi lançado em 2023 e desde então já vendi cerca de mil exemplares, todos físicos. O próximo livro chegará este ano: Os montanhistas serão sempre livres.
Também em 2020 comecei, junto com minha esposa, dois projetos: o Onde Comer e Beber, voltado para o jornalismo gastronômico no Instagram, e o BH a Pé, que organiza caminhadas literárias pela cidade. Hoje, parte considerável da nossa renda familiar vem deles.
Ao longo dos últimos 15 anos, fiz o que todo profissional de Comunicação Social é treinado para fazer: me virei. Passei aperto, mas participei da criação e monetização de três negócios e até com meu romance eu consegui ganhar algum dinheiro. Não muito, mas cerca de um salário mínimo por mês, em média, desde o lançamento do livro.
Meu objetivo é viver para a ficção, da literatura e da arte, mas há um caminho complicado pela frente, afinal isso é muito mais difícil do que viver de um blog de viagem. Esta newsletter literária também é uma das tentativas. Em dois meses, 140 assinantes, sendo quatro pagantes. Aqui você pode me ajudar: compartilhe esse texto, encaminhe este email, comente, curta. E, se couber no seu bolso e o tema te interessar, vire um assinante pago. O plano de mecenas literário inclui meu livro e um passeio do BH a Pé, recompensas que ultrapassam o valor investido.
Também estou organizando uma oficina de crônicas urbanas que coloca a cidade como protagonista. A próxima edição é na segunda que vem, dia 26 de maio, e será totalmente online. Você pode reservar por aqui.
Este texto tem muito mais incertezas que o de 2015, que indicava um caminho. Mas, pelo menos para mim, parece que o futuro envolve acreditar em textos e vídeos mais criativos, com sensibilidade e escrita humana. O oposto do que a internet promete entregar.
Sobre o autor: Sou escritor e jornalista de viagem. Publiquei o romance Dos que vão morrer, aos mortos. Também participei das coletâneas Micros-Uai, Micros-Beagá, Crônicas da Quarentena e Encontros. Siga-me no Instagram: rafaelsettecamara.
Mesmo com o cenário ruim, ainda prefiro ter uma URL do que confiar em redes sociais. Isso não anula a importância das redes, afinal é lá que as pessoas passam mais tempo. Ser creator é um trabalho de corno infernal. Mas eu gosto. (Não da parte de ser corno)
Eu acredito muito em diversificar a nossa renda. Gosto da ideia de ter várias frentes porque as chances são dos tempos difíceis não arruinarem todas de uma vez. Adorei seus projetos. Boa sorte!