Como publicar seu primeiro livro por uma editora, passo a passo
Publicar um livro e ser, enfim, um escritor, era a realização do meu mais audacioso (e nunca antes admitido) sonho profissional
Enterrado por boletos, cabos de eletrônicos que não funcionam mais e papéis velhos. Foi assim que meu livro ficou dois anos numa gaveta. Isso foi entre 2021, quando acabei a primeira versão de Dos que vão morrer, aos mortos, e 2023, quando recebi um email da Editora Urutau aceitando a publicação do romance.
Entre essas duas datas, nada de esquecimento. Pelo menos para mim. As quase duzentas páginas estavam devidamente impressas, três cópias encadernadas e grifadas e rasuradas. Nessa época, Dos que vão morrer teve só dois leitores: eu, o autor maníaco que nunca se dava por satisfeito e teimava em reescrever cada frase, reler, achar que ficou uma bosta, voltar para o original, pensar bem e perceber que tinha ficado melhor após a edição, cortar, acrescentar, apagar tudo, rasgar páginas e recomeçar, para todo o sempre e pelos séculos dos séculos, amém. Menos obsessiva que eu, Luísa leu com atenção três vezes, grifou, sugeriu e disse coisas que só a intimidade de um casamento permitem — ainda mais num livro tão delicado e que ficcionaliza a morte (real) de minha mãe.
Quando o email da Urutau chegou, eu senti uma mistura de felicidade com alívio, que é, você sabe, o mais intenso dos sentimentos humanos. Publicar um livro e ser, enfim, um escritor, era a realização do meu mais audacioso (e nunca antes admitido) sonho profissional. Só que, para além da felicidade, o que realmente me envolveu foi o alívio de poder esquecê-lo. Não, eu não li meu livro pronto e nem sei se um dia vou fazer isso — talvez numa próxima edição e quando eu puder mudar alguma coisa.
Desde o lançamento, tenho sido procurado por pessoas que, assim como eu fazia, também sonham secretamente. Gente que tem livros engavetados ou que está escrevendo há anos o mesmo original; pessoas que já até passaram dessa fase, mas não conseguiram entrar na derradeira: achar uma editora que aceite a obra. Na esperança de que sejam úteis para alguém, resolvi listar as coisas que aprendi.
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1 - Aceite que acabou
É preciso colocar um ponto final. Só consegui dar o passo derradeiro e superar a insegurança quando outras pessoas entraram no processo. Além da minha esposa, enviei o PDF para quatro amigos próximos.
Depois, tive a leitura carinhosa da escritora Marcela Dantés, colega dos tempos de UFMG e que teve um papel tremendo; e uma leitura crítica com a escritora Laura Cohen Rabelo. Contratar uma leitura crítica foi absolutamente fundamental. Quando a revisão com a Laura acabou, não me restava saída: mandei o livro para uma editora.
2 - Fique de olho nas chamadas das editoras
Várias editoras abrem regularmente chamadas para envios de originais. A Editora Urutau chama por estados e foi assim, numa seleção de originais de Minas Gerais, que fui selecionado. Na mesma época tentei com a Patuá, que nunca respondeu.
Quais editoras, e óbvio que estou falando aqui de editoras pequenas, publicam os livros que você gosta de ler? Com qual editora você se identifica? Faça um levantamento. Siga essas empresas nas redes sociais e pergunte sobre chamadas para envios de originais.
Como dito no primeiro tópico, tome cuidado para não entrar num ciclo eterno de edições — em algum momento você terá que mandar o original para análise. Mas também evite o contrário: não mande um original que ainda não passou por uma leitura crítica e lapidação. Você vai diminuir as chances do seu livro ser aceito.
Para enviar o original, prepare também uma boa sinopse. Tenha paciência: a resposta pode demorar alguns meses. Por isso, envie para mais de uma editora, ou você corre o risco de esperar sentado.
3 - Atenção para os prêmios de inéditos e para chamadas de coletâneas
Além das chamadas de originais, também me inscrevi em vários prêmios. Não só com o romance, mas também premiações de contos e crônicas.
Venci um deles: o concurso Crônicas da Quarentena, do Clube dos Autores e que resultou na coletânea de mesmo nome.
Também inscrevi o romance num concurso de livros inéditos, o Prêmio Belo Horizonte, um dos mais tradicionais do Brasil. Fiz isso antes da leitura crítica, o que foi um erro e certamente acabou com minhas (já pequenas) chances.
Tem um original pronto? Verifique o calendário de prêmios de inéditos. Além do Belo Horizonte, o Prêmio Kindle de literatura também trabalha nesse formato. Sites como o Seleções Literárias fornecem um calendário atualizado de prêmios e seleções.
O principal problema de um concurso de originais é ter que esperar meses pelo resultado, o que impede que você publique o livro de outra forma. E, sendo realista, a maior chance de qualquer premiação é não ganhá-la.
4 - Aproveite as seleções de coletâneas
Enquanto esperava pela publicação de Dos que vão morrer, fui selecionado para duas coletâneas de contos da Editora Pangeia.
O Micros, Uai! teve lançamento coletivo e sessão de dedicatórias — e eu tive que, pela primeira vez, colocar meu garrancho nas páginas de um livro que ajudei a escrever.
Tudo isso foi me levando de vez para a literatura, criando confiança e me preparando para o lançamento do meu romance. Além disso, com as coletâneas comecei a criar um relacionamento com editoras e profissionais do meio literário, o que é fundamental.
A dica é a mesma: confira suas possibilidades no site Seleções Literárias.
5 - Cuidado com as pegadinhas e não faça loucuras financeiras
Tem muita coletânea que exige que as escritoras e os escritores selecionados paguem um valor pela publicação, o que é absurdo. Também tem premiação que cobra uma taxa alta de inscrição — eu não faria.
Assim como não pagaria para participar de eventos, como bienais. Para mim, o máximo aceitável é arcar com o envio dos livros físicos (caso dos prêmios posteriores à publicação, como o Jabuti, o Prêmio São Paulo e o Prêmio da Biblioteca Nacional), e investir na melhora e divulgação do próprio livro, mas de forma estratégica.
Caso seu livro seja selecionado por uma editora, leia atentamente o contrato. Quase todas as empresas pequenas trabalham com campanhas de financiamento coletivo e pré-vendas para publicação dos livros, o que não tem problema algum.
A Editora Urutau, por exemplo, fez isso com o meu livro. Por mais que eles lembrassem que o envolvimento dos autores é fundamental para que a pré-venda vá bem, não havia uma exigência de número mínimo de exemplares vendidos. No fim, vendi cerca de 400 livros na pré-venda, batendo o recorde da casa.
Já vi muita gente dizendo que o melhor é assumir que a literatura não dá dinheiro. Como expliquei em outra carta, eu discordo disso: escrevo por prazer e pela arte, claro, mas quero ganhar dinheiro, sim. E me organizo para isso.
Nem todo investimento é ruim. Até o Carlos Drummond de Andrade pagou do próprio bolso pela publicação dos 500 exemplares de seu primeiro livro: Alguma Poesia, lançado em 1929.
Invisto frequentemente na minha literatura, mas sempre planejando para que aquele dinheiro volte lá na frente. Por exemplo, gastei cerca de dois mil reais na leitura crítica. Recuperei isso com metade dos livros vendidos na pré-venda.
6 - Meu original foi escolhido por uma editora, mas será que é uma boa empresa?
A editora te escolheu. Ótimo, mas e você, vai escolher essa editora? Verifique a reputação da empresa online (Reclame Aqui, redes sociais, reportagens e textos no Google).
Faça uma análise dos livros que a editora publica e, se possível, compre e leia alguns deles. Procure as redes sociais de outras pessoas que publicaram livros com ela e entre em contato, para saber como foi a experiência. Quando receber o contrato, leia atentamente e pule fora caso perceba cláusulas muito desvantajosas para você.
A qualidade de uma editora está visível nos livros publicados por ela. Veja o caso da Urutau, que publicou o meu: capas sempre lindas e presença frequente em premiações. No último Prêmio Oceanos, um dos mais importantes em língua portuguesa, a Urutau teve tantas indicações quanto a Companhia das Letras. Indicativos de um trabalho bem feito.
7 - Não conseguiu editora? Faça uma autopublicação!
Não estou falando para você assumir sozinho o custo do sonho pelo livro publicado — você não é o Drummond. A parte boa dessa constatação é que eu e você não temos o talento do poeta, mas vivemos em 2025. Hoje, há ferramentas: é possível publicar seu livro sem uma editora e não gastando nada (ou quase nada). Basta organizar uma campanha de financiamento coletivo.
Eu já participei da autopublicação de um livro autoral, o Encontros, do 360meridianos. Além das crônicas, fizemos a revisão, contratamos a arte da capa, diagramamos e escolhemos uma gráfica para imprimir os exemplares físicos. Deu trabalho, mas isso aumentou bastante nossa margem de lucro, que ficou em 80% do valor de capa (o normal, para autores, é 10%).
Com o selo Grandes Viajantes, criado durante a pandemia pelo 360meridianos, editamos vários livros raros de autores como Machado de Assis, João do Rio e Júlia Lopes de Almeida. Nesse caso foram apenas livros digitais, mas ainda assim: tudo autopublicação.
Fizemos as campanhas de financiamento coletivo do Grandes Viajantes pelo Catarse. Já a do Dos que vão morrer, organizada pela Editora Urutau, foi pela Benfeitoria. Para livros físicos e vendidos exemplar a exemplar, tem ainda a opção do Clube dos Autores — meu pai publicou uma dezena de livros assim.
Caso opte por ter apenas livros digitais, outra boa opção é o Kindle Direct Publishing. Existem centenas de milhares de livros independentes e brasileiros lá.
Não se esqueça de fazer o ISBN na Câmara Brasileira do Livro. É fácil e barato.
O que é melhor: editora ou autopublicação?
Se a editora for boa, ética e reconhecida no mercado, vá com ela, sem dúvidas. O livro ficará melhor, mais profissional e isso vai ser ótimo para sua reputação.
Agora, a situação muda se a oferta for de uma editora ruim, que parece publicar qualquer livro, sem avaliação e critério, vivendo apenas das vendas para o próprio autor. Ou seja, uma gráfica disfarçada de editora.
Em caso assim, pode valer a pena fazer tudo sozinho. A questão é decidir se você terá tempo e condições de levar sozinho uma campanha de financiamento coletivo e todas as etapas da publicação, principalmente se seu objetivo é ter também livros físicos.
Publiquei, e agora?
Mesmo as melhores entre as editoras pequenas não costumam cuidar do depois. Caberá a você divulgar e vender sua história. Sobre isso, leia a carta em que expliquei como vendi mil exemplares físicos do meu romance.
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Aqui você pode me ajudar: compartilhe o texto, encaminhe por email, comente, curta. E, se couber no seu bolso e o tema te interessar, vire um assinante pago. O plano de mecenas literário (R$299) inclui meu livro físico (R$70, já com frete) e um passeio do BH a Pé (entre R$99 e R$219 dependendo do tour escolhido).
Ou seja, o valor das recompensas equivale ao da soma do livro com a nossa experiência mais complexa, o passeio literário Esquinas do Clube, organizado pelo BH a Pé.
Sobre o autor: Sou escritor e jornalista de viagem. Publiquei o romance “Dos que vão morrer, aos mortos”, com mil exemplares vendidos. Também participei das coletâneas Micros-Uai, Micros-Beagá, Crônicas da Quarentena e Encontros. Siga-me no Instagram: rafaelsettecamara.
Obrigado.
nossa, esse texto veio como um sinal, eu acho! Tô super pensando em reunir alguns textos para tentar montar um livro, pensei nisso ontem e hoje, vendo um livro do meu sobrinho, pensei "como será que é pra publicar livro infantil?", peguei meu celular e a notificação era do email com essa carta. se não é sinal, não sei o que então!! Valeu pelas dicas sinceras e realistas. Quando eu lançar algum livro, te mando de presente de agradecimento hahah