Como vendi mil livros: 7 dicas de um escritor independente
A literatura tem que ser motivo de prazer, mas também precisa dar dinheiro. Como conseguir isso?
Roberto Drummond, autor de Hilda Furacão e Ontem à noite era sexta-feira, disse numa entrevista que “vender livros é quase um acidente na vida de um escritor”. Acho que ele mesmo não acreditava nisso: quase todos os dias, Roberto visitava as principais livrarias da Savassi, bairro de Belo Horizonte. Ao conversar com livreiros, pedia para que seus livros fossem colocados em destaque. Roberto morreu em 2002 e vendeu centenas de milhares de livros.
Num mundo que só que começava a se digitalizar, ele apostou nas estratégias que tinha: contatos com os livreiros, ainda hoje importantes nesse processo, mas muito mais influenciadores naquela época, e marketing pessoal.
Desde 2023, eu organizo a caminhada literária BH de Hilda, o que me permitiu mergulhar na obra e na personalidade desse autor. Já ouvi diversas vezes a mesma história: o professor pede que os alunos leiam um livro do Roberto. Um aluno ou aluna lê e resolve mandar uma carta para o escritor. A carta chega ao jornal Estado de Minas, onde ele trabalha, e Roberto resolve fazer uma visita ao colégio do estudante. Sem combinar, o escritor aparece na sala de aula.
Ouvi essa história de pessoas diferentes, ou seja, colégios diferentes, outras salas de aula, diferentes épocas. Ao contrário do que disse em entrevista, Roberto Drummond nunca teve vergonha de vender os livros que escreveu.
Tomo para mim a mesma estratégia. Escrevi e publiquei um romance, o que é ótimo, mas o que quero mesmo é ser lido.
A cada lançamento, as grandes editoras enviam exemplares para pessoas pré-selecionadas, fazem releases para imprensa, organizam lançamentos e apresentam o trabalho da autora ou autor ao público. Até por uma questão de escassez de mão de obra, as pequenas editoras não fazem isso. Este é o caso da Urutau, a fantástica (pequena) editora que publicou meu romance.
Meu livro foi publicado em dezembro de 2023 e a pré-venda começou um pouco antes. De lá para cá, vendi cerca de mil exemplares de “Dos que vão morrer, aos mortos”. Eu sei o que você está pensando: é pouco. Nas redes sociais, vídeos, textos e fotos atingem rapidamente dezenas de milhares de pessoas — alguns posts chegam a milhões.
Mas a literatura raramente é viral e poucos dos livros de ficção lançados no Brasil atingem a marca de mil exemplares vendidos, ainda mais quando apenas o livro físico está disponível, como é o meu caso. Segundo a Câmara Brasileira do Livro, uma obra que venda 15 mil exemplares — isso durante toda sua trajetória — pode ser considerada bestseller.
Meu romance não é vendido em livrarias e sequer está na Amazon. São apenas dois canais de venda: o site da editora Urutau e o próprio autor. Dos cerca de mil exemplares circulando por aí, vendi diretamente mais de 900.
Como muitas editoras pequenas, a Urutau também vende os livros para os autores: pago R$ 30, vendo por R$60, o mesmo preço do site, mas um lucro muito maior do que eu conseguiria com a venda em sites e livrarias, que garante só 10% (ou R$6) aos autores.
Isso é um problema e uma oportunidade: eu tive que assumir as vendas e a divulgação. Ao longo do último ano, lucrei cerca de um salário mínimo por mês ao vender meus livros. Ainda longe do que quero, mas tudo é um processo.
Essas foram as estratégias que usei.
1 - Fale do livro
Seja no Twitter, no Instagram, no Facebook ou em newsletters, eu falo sobre meu livro quase todos os dias. E não adianta falar qualquer coisa: é preciso ser estratégico. Eu conto a história do livro, um romance sobre luto, sobre um filho que perde a mãe. Tento, na hora de vender o livro, emocionar e gerar curiosidade.
Faço isso no formato apropriado para aquela plataforma. No Instagram, vídeos ou fotos. No Twitter, contei a história do livro em formato de fio. Por fim, textos longos no Substack, que é a última fronteira, o território que sobrou aos blogs frente ao avanço da inteligência artificial.
O ponto é: divulgue, divulgue, divulgue. E com estratégia. Não é só falar: ei, esse é meu livro, compre, preciso da sua ajuda, tenha piedade deste escritor. A história do livro precisa conquistar atenção já nas redes sociais.
2 - Começou a me seguir? Você vai escutar a palavra da literatura
Há quatro anos, comecei a seguir a escritora Aline Bei, já um sucesso editorial. Poucos minutos depois, minha caixa de mensagens do Instagram tinha uma mensagem dela.
A Aline se apresentava, falava do livro O Peso do Pássaro Morto e dizia: “tô passando só para avisar que estou vendendo o livro, se te interessar saber mais sobre isso me diga, tá?”
Adotei a mesma estratégia. Vendi cerca de cem livros assim.
3 - Faça lançamentos
Eu organizei dois eventos em Belo Horizonte. Um no Mercado Novo, em março de 2024. Foi um bate-papo mediado seguido de sessão de dedicatórias. Apareceram cerca de 70 pessoas — boa parte delas já tinha adquirido o livro na pré-venda. Vendi e dediquei outros trinta exemplares nesse dia.
Meses depois, organizei um lançamento num jogo do América, meu time e que aparece no romance. Foi uma ideia arriscada, afinal literatura e estádios de futebol não costumam andar juntos. Apesar disso, vendi dez livros na porta da Arena Independência, além de ter conseguido chamar atenção da imprensa.
4 - Participe de feiras literárias
Participei de lançamentos na Academia Mineira de Letras, evento que envolveu 10 autores e autoras. Lá, foram 12 livros vendidos. Também estive na Feira Literária de Itabira (1 livro vendido) e na Bienal Internacional de São Paulo (1 livro vendido).
Fique atento ao prazo de inscrições dos eventos literários, afinal quase sempre há um espaço gratuito para lançamentos. Mas, como ficou claro pelos números da feira de Itabira e da Bienal, não espere vender. Muita gente passa por eventos assim, a concorrência é altíssima, então passei a selecionar as feiras que participo como escritor independente.
Eventos tipo a Bienal de São Paulo? Nunca mais. Ou melhor: só se um dia eu for convidado a participar da programação oficial, que é ótima. Como escritor independente, mesmo dentro do espaço da editora, o evento simplesmente não se paga (gastei dois mil reais em hospedagem, passagens e alimentação; ganhei trinta reais com a venda de um exemplar).
Eventos tipo a Feira de Itabira? Sempre! Gastei 110 reais nas passagens de ônibus e voltei para casa no mesmo dia. Recuperei só os trinta do lucro de um exemplar; mas ganhei muito ao conhecer outras pessoas da literatura.
A Bienal de São Paulo, até por seu tamanho, não é muito acolhedora para encontros assim. Pra mim, não valeu nem pelo networking.
5 - Fale com a imprensa
O lançamento do meu livro no Mercado Novo virou notícia: saiu no Estado de Minas, no Tempo e na Itatiaia; estive em três programas de rádio (98 FM, Bandnews e UFMG Educativa), um programa de televisão (Band), além de ter sido recomendado por muitos influenciadores. Foi por isso que apareceu tanta gente.
O segundo lançamento em BH também foi tema na imprensa, mas dessa vez na esportiva.
Já a participação na Bienal Internacional de São Paulo rendeu uma notícia e uma nota do crítico Miguel Arcanjo Prado.
A repercussão na imprensa criou uma reputação para meu livro e aumentou as vendas nas minhas redes sociais — as pessoas passaram a confiar mais em meu trabalho e se interessaram por ele.
Só que a imprensa não vai falar de um livro se não souber dele; influenciadores não divulgarão algo espontaneamente. É por isso os grandes nomes da literatura têm trabalho de assessoria de imprensa: releases, contato com jornalistas, envio de livros, convite para eventos.
Como sou jornalista, eu mesmo fiz isso tudo. Para quem não é da área, a saída pode ser a contratação de um profissional.
6 - Envie o livro para as pessoas certas
Eu dei de presente 37 exemplares do meu livro. Esse é outro trabalho que as grandes editoras fazem e que eu assumi como meu.
Nessa conta estão até o livro que dei para o meu pai e para o avô da minha esposa, mas também os que foram para influenciadores, jornalistas e artistas.
Hoje, estou muito mais rígido e passei a filtrar bem as pessoas para quem enviarei o livro — a verdade é que quem ganha um livro muitas vezes não valoriza aquela obra, que vira panfleto.
Por isso, eu só envio um livro se: 1 - a pessoa presenteada tem ligação com o tema do meu romance, o luto. 2 - se ela costuma publicar sobre as próprias leituras em suas redes sociais.
A maioria dos livros que mandei de presente jamais foi lida, tenho certeza. Alguns podem ter ido parar no lixo. Uns poucos foram abertos, lidos e recomendados. Foi assim que recebi elogios públicos do jornalista e escritor Xico Sá, o que me fez imediatamente vender 16 livros.
7 - Faça um canal literário
Eu trabalho com internet há quinze anos. Como contei na carta anterior, sou um dos autores do 360meridianos, um site de viagem que tem centenas de milhares de leituras por mês, além de uma newsletter aqui no Substack com 18 mil assinantes.
Junto com minha esposa, estou no Onde Comer e Beber, que cria vídeos de dicas gastronômicas que semanalmente alcançam centenas de milhares de pessoas.
Essas duas plataformas foram usadas para divulgar meu livro — acho que vendi uns trinta exemplares assim. Por mais que sejam canais grandes, não são de literatura. As pessoas que nos seguem lá se interessam por outros assuntos. Por isso, eu tenho muito mais sucesso no meu Instagram, com cinco mil seguidores, e no meu Twitter, com três mil, dos que nos canais grandões.
Nas minhas redes pessoais o foco é a literatura. Ponto. Por mais que eu tenha vídeos de viagem ou gastronomia que poderiam ser postados em colaboração com meu perfil pessoal, não faço isso. Não adianta nada crescer para fora da base literária. Isso só vai atrapalhar a divulgação do livro: é melhor ter poucos seguidores que se engajam com o tema do que muitos, mas que têm interesse em outros assuntos.
Por isso, é fundamental ter redes sociais literárias. Eu me impressiono toda vez que vejo autores e autoras em começo de carreira que não focam nisso. É o que vende. É o que divulga. É o que faz um livro ir adiante.
Só quem está na estrada há muito tempo, já tem um público cativo ou uma grande editora assumindo a divulgação consegue evitar as redes sociais.
Em 2020 nasceu o BH a Pé. Um projeto que une todos os anteriores: turismo, gastronomia e literatura em Belo Horizonte. Vendi cerca de 250 livros nas caminhadas literárias que fazemos pela cidade. Dediquei livros em praças e parques, em bares e até sentado no chão, no meio da rua.
Como ter tempo para isso tudo?
Não tem como. Não dá para fazer tudo, até porque a literatura é um trabalho a mais — é preciso ganhar dinheiro e pagar as contas.
É por falta de tempo que eu ainda não faço vídeos para o Tik Tok. É por falta de tempo (e de raiva do Musk) que meu Twitter, que tantos frutos rendeu, está abandonado. Foi por falta de tempo que demorei para criar esta newsletter.
Mas é preciso comprar tempo de alguma forma e escolher quais estratégias adotar. Não consigo fazer tudo, mas vou fazer bem e com constância o que eu tentar.
Escrevi Dos que vão morrer, aos mortos ao longo de quatro anos. Quando o livro finalmente saiu, achava que a parte mais pesada do trabalho tinha chegado ao fim — e que eu poderia já me dedicar a novas histórias. Logo entendi que isso era um erro. Antes de começar o segundo livro, dediquei tempo para divulgar o primeiro. Isso foi fundamental para evitar a morte prematura dele.
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Sobre o autor: Sou escritor e jornalista de viagem. Publiquei o romance Dos que vão morrer, aos mortos. Também participei das coletâneas Micros-Uai, Micros-Beagá, Crônicas da Quarentena e Encontros. Siga-me no Instagram:
Rafael, boa tarde. Me diga como comprar seu livro diretamente contigo. Outra coisa: qual sua relação com o Serginho Sette Câmara, o piloto? Terceiro, estou por aqui também... https://flaviogomes.substack.com/
Rafael, que legal ter esbarrado em seu conteúdo! Vou seguir os conselhos a risca, inclusive, sou colega sua de casa literária agora! Em breve meu livro vai ser lançado pela Urutau pelo selo Mãe leva mais uma. Vou adquirir o seu, parabéns pelas vendas, pelo exemplar e pela partilha.