Drummond, Vinícius e Fernando Sabino ao redor de um tabuleiro de Ouija
Nos anos 1940, os três tentaram falar com o outro mundo e chamaram pelo espírito do Mário de Andrade
Numa noite de saudade e álcool, Vinícius de Moraes e Carlos Drummond tentaram falar com espírito de um amigo que tinha acabado de falecer, o escritor Mário de Andrade. Isso ocorreu na década de 1940 e a necromancia envolveu mais um artista: os mortos voltaram na casa de Fernando Sabino.
Sentados ao redor de um tabuleiro de ouija, a turma tentou contato com Mário. O autor de Macunaíma morreu em 1945, aos 51 anos. Lá pelas tantas, o copo começou a se mover — não os copos dos vivos, esses já se moviam desde o começo da noite, mas o único que estava sempre vazio e de cabeça para baixo, indicando uma conexão com o outro mundo.
A turma dos vivos queria saber: como anda a morte, Mário? Do lado de lá, veio a resposta: aqui não é o Mário, é a Glorinha. Vinícius, que não era neófito em necromancia e tinha fama de sensitivo, tratou de entender por que Glorinha tinha aparecido na mesa deles — e para isso era fundamental estabelecer se a moça era solteira ou casada.
Só sei dessa história porque Carlos Drummond de Andrade deixou tudo registrado em seus diários. Nos anos oitenta, parte deles viraram o livro O Observador no Escritório, que pode ser encontrado na Estante Virtual por menos de R$10.
Apesar do registro acessível, esse causo costuma gerar impacto ao ser contato durante a caminhada literária Almas de Minas, um projeto do BH a Pé. Nela, lembramos histórias assombradas de Belo Horizonte e mostramos como muitas das lendas urbanas da cidade têm origem na literatura.
A próxima Almas de Minas é nesta sexta-feira, não por acaso uma de número 13, mas o grupo já está lotado e transbordando.
Chegou agora? Então puxe uma cadeira e vamos papear
Na última semana, trezentas pessoas entraram para minha newsletter e hoje recebem um email meu pela primeira vez, por isso resolvi me apresentar. Oi, sou Rafael Sette Câmara, escritor e jornalista. Tenho um blog de viagens já com alguma estrada e que talvez você conheça, o 360meridianos.
Meu primeiro romance foi publicado em 2023, pela Editora Urutau, e se chama Dos que vão morrer, aos mortos — o segundo virá este ano, se os boletos vencendo não roubarem o resto do meu tempo. Também organizo o já citado BH a Pé, projeto de experiências literárias e gastronômicas em minha cidade. São caminhadas, encontros com pessoas da literatura e oficinas. Você acha o calendário completo aqui.
Agradeço a cada assinante gratuito, de verdade, mas não custa lembrar os benefícios da newsletter paga:
Assinantes pagos (plano mensal ou anual) recebem edições exclusivas da carta. Além disso, a partir de agora você tem R$20 de desconto nos passeios do BH a Pé. Por exemplo, a Almas de Minas custa R$119 (com comida e bebida). Para assinantes dessa carta o passeio sai por R$99 (pagamento no pix e não cumulativo com outras promoções; basta entrar em contato).
Mecenas literário (R$ 299 por ano): você recebe meu livro físico na sua casa, em qualquer lugar do Brasil. Também tem direito a participar de uma experiência do BH a Pé sem custo adicional. Para quem não é assinante pagante, o livro com frete custa R$70; as experiências do BH a Pé custam entre R$99 e R$219. Ou seja, você recebe o valor investido na newsletter de volta.
A ideia é que assinantes pagantes tenham também um clube do livro que vai abordar temas que fazem parte das minhas pesquisas, como literatura urbana, cidade personagem, Minas Gerais e luto. Os encontros serão mensais e online. Isso vai acontecer assim que atingirmos 15 assinantes pagantes (de qualquer plano). Quer participar? Migre de plano.
Terminado o jabá, vamos seguir com nossa fofoca literária?
A maior parte dos novos assinantes chegou por causa de um incêndio.
Há cem anos, numa Belo Horizonte que cheirava a jasmim e onde as noites eram iluminadas por vaga-lumes e anunciadas pelo canto das cigarras, dois jovens pularam o portão de uma casa.
Eles invadiram a residência familiar, um casarão que existe até hoje, no cruzamento das Ruas Gonçalves Dias e Sergipe — pertinho da Praça da Liberdade e num ponto nobre da capital mineira.
Na época, aquela casa era moradia para uma família de origem italiana: os Vivacqua. Era madrugada e os jovens invasores aproveitaram o sono da família para tacar fogo nas roupas que estavam no varal. A fumaça começou tímida, mas logo as chamas saíram do controle.
Assustados, os incendiários foram para a frente da residência e acordaram a família. Eles ajudaram a apagar as chamas e teriam saído como heróis, não fosse um guarda, que viu tudo do alto de um dos prédios da Praça da Liberdade.
Como eu contei na nota abaixo, os dois incendiários eram Carlos Drummond de Andrade e Pedro Nava. O episódio do incêndio foi tema de uma entrevista do Drummond, apareceu nas memórias do Nava e foi citado pela Eunice Vivacqua no livro Salão Vivacqua, uma obra rara de achar e por isso mesmo mais cara (no momento, tem um exemplar usado na Estante Virtual e que custa R$300).
Essas três fontes são unânimes em dizer: o incêndio foi causado por tédio, loucura e insensatez mental. Não haveria nada a mais por trás das chamas. Apesar disso, a fofoca que correu em Belo Horizonte era bem diferente: espalhou-se a história de que os rapazes atearam fogo na casa porque queriam tirar a família da cama. Segundo a boca miúda, o que eles planejavam era ver as moças da família de camisola.
Não custa repetir: Drummond e Nava nunca negaram o incêndio. Sempre negaram a camisola. Arrependidos, os dois seguiram amigos da família Vivacqua.
A Eunice é a menina que aparece sentada no canto esquerdo da foto abaixo, que mostra os quinze filhos do casal Antônio e Etelvina Vivacqua. Já a menina sentada no canto direito, com franjas negras e que não olha para a câmera, também foi um incêndio: adulta, ela ficou conhecida em todo Brasil como Luz del Fuego. Atriz, dançarina, escritora, feminista e primeira naturista do Brasil.
Tem um ditado que diz que Belo Horizonte é um ovo. Na BH dos anos 1920, que não tinha 50 mil habitantes e onde todos se conheciam, esse ovo era de codorna.
Nova organização das cartas literárias
Comecei este projeto em março e estou muito feliz de já ter tanta gente por aqui.
Por isso, vou adicionar um pouco mais de organização e compromisso: a partir de agora, as cartas serão enviadas uma vez por semana, sempre às segundas-feiras, alternando edições gratuitas com exclusivas para pagantes.
Ou seja: a próxima edição será somente para pagantes. Nela, contarei como Carlos Drummond de Andrade está envolvido com a aparição de uma das fantasmas mais antigas e conhecidas de Belo Horizonte.
Chegou agora e quer meu livro? Faça um pix de R$70 (já inclui frete para todo Brasil) para a chave, que é meu email: raleixo7camara@gmail.com.
Depois, mande por email seu endereço com CEP e o nome que vai na dedicatória.
Se quiser conhecer a obra antes de comprá-la, leia a análise de Miguel Arcanjo Prado, um dos mais importantes jornalistas culturais do país.
Obrigado e até semana que vem!
Sobre o autor: Sou escritor e jornalista de viagem. Publiquei o romance “Dos que vão morrer, aos mortos”. Também participei das coletâneas Micros-Uai, Micros-Beagá, Crônicas da Quarentena e Encontros. Siga-me no Instagram: rafaelsettecamara.